Tem dias que são assim
chove dentro de mim
um desassossego de não me caber
vontade de outros caminhos

andar andar andar
parada no mesmo lugar

estar nas sobras do mundo
sorver as migalhas presas em suas franjas
toalhas vermelhas sacudindo os restos
o que fica para a multidão
cavar um buraco fundo
e enterrar-se vivo
com suas vergonhas
             e entranhas.

o estranho é que tenho
quase todo o tempo do mundo
e o mundo parece passar ao largo

tens cheiros espumas e bolhas
       água do mar em manhã de sol
tens olhares molhares e gostares
       vento batendo lento no lençol
tens nãos gritos e rolhas
       silêncio de peixe no anzol
tens almoços lanches e jantares
       pedras agrupadas no atol

há tanto a dizer
a ausência de sangue
bloqueia
a torrente
fica apenas a
ânsia da palavra

Dias de inadequação

Ando me sentindo assim, fora de contexto.
Inadequada
Um sorriso deslocado
pensamento mais rápido
morrendo na boca antes de virar som.

As palavras não me obedecem
e eu tenho este caderno
cheio de linhas e palavras
e um vazio de mim

Viver não é para distraídos.
Sou tantas... e tantas vozes falando ao mesmo tempo.
Uma feira, quase uma xepa.
Transbordo de mim...

amargo amar
dor de âmbar
sabor de cortar

Cheiro de coisa guardada

queria enfurnar você
nas gavetas da existência
como mais um suéter ou uma meia de lã
e fechar o armário com força
pra nunca mais ter que vestir
seu gosto de bolor